Entrevista com... Paula Vidigal
Nesta entrevista com mais um aderente do CAB (a 5ª) e a primeira do ano que agora começa não queremos deixar de voltar a reafirmar que os vossos comentários são bem-vindos.
viajantedecasascostas
Paula Vidigal
CAB – Quando começou para si o autocaravanismo? Por influência de que aspecto? Com que viatura? Se tivesse que convencer alguém amigo a adoptar o autocaravanismo, que argumentos utilizariam?
Paula Vidigal - Ter uma autocaravana começou por ser um sonho a dois, mais ou menos há treze anos atrás aquando de uma viagem às Astúrias-Picos da Europa. Tínhamos alugado uma casa de Turismo Rural e para conhecermos bem a zona, chegávamos a fazer por dia mais de 100 kms. A luz acendeu-se, quando no alto da montanha, a caminho dos Lagos Enol e Ercina (um dos sítios naturais mais fantásticos que conheço), vimos uma autocaravana. O sonho havia nascido. Seis anos depois, sensivelmente, concretizámo-lo. Nada sabíamos de tais lides, (apesar de termos começado as nossas férias em canadianas, iglos e ainda numa caravana) daí comprarmos sem grandes orientações nem pistas, aquela que ainda hoje é a “Casinha”. Uma Sky 2002, fabrico português, porque era, na altura, das mais baratas do mercado, o que para nós já era uma grande aventura. Depois disso já dois casais amigos compraram AC por nossa “culpa”, porque a todos falamos das nossas viagens com os olhos a sorrirem, nem é preciso argumentar muito. Aliás, uns deles passaram connosco um fim-de-semana antes de comprarem a “Casinha” deles e renderam-se à liberdade, ao espírito de relaxe e comodidade vividos.
CAB – Que países já visitou? Que locais aconselha? E eventos? Monumentos? Cidades? E porquê? E onde pernoita normalmente? Como escolhe os locais?
Paula Vidigal - Começámos por Espanha (a nossa viagem de baptismo foi até Granada), sempre intercalada com Portugal, claro. Mas cedo nos aventurámos até França, continuando por Itália, e depois mais para cima: Luxemburgo, um cheirinho de Alemanha e Suíça; Bélgica; Holanda; Inglaterra.
É-me tremendamente difícil fazer uma selecção do género “top mais”. Daquilo que já visitei, não me parece que tenha considerado algo secundário ou menos belo ou desinteressante. Em Espanha, decididamente a Andaluzia – Sevilha, Córdova e Granada. Do outro lado, Barcelona, obrigatoriamente. A norte, as Astúrias sempre, ou não tivessem sido elas o nosso mote.
Em França, toda a zona da Alsácia. Algumas localidades da Bretanha, Dinan, como outras mesmo ali ao lado – o Mont St – Michel – pela sua grandiosidade e a sensação de magia que é poder “morar” mesmo à sua frente, no seu “quintal”.
Em Itália, Veneza, Florença e a zona da Toscana.
Na Bélgica, Bruges, um cenário irreal que merece sempre uma (re)visita. Na Holanda, sobretudo a zona de Zeeland. Em Inglaterra, a viagem no ferry e o regressar ao passado shakesperiano em Stratford-upon – Avon…
Parece evidente que coloquei a tónica em zonas com menor densidade populacional, vilas, paisagem natural. De facto, as tendências dos quatro (somos 4 cá nesta casa sobre rodas) vão sempre para locais mais pacatos, onde os factores natureza, pitoresco têm peso considerável.
Sempre que podemos, optamos por zonas fora de parques de campismo. Procuramos as zonas para AC e, não existindo, procuramos outras AC em praças, parques de estacionamento. Ficar ao lado de outros que acreditamos estarem no mesmo espírito, transmite-nos mais segurança.
É claro que há grandes cidades que são da nossa preferência e outras que nunca nos desiludiram: Paris, Londres, Madrid, Barcelona, Amesterdão. Outras não tão grandes: Strasbourg, por exemplo. Nas primeiras, à excepção de Barcelona, optámos sempre por campings e ficámos bem servidos, apesar de longe do centro, jogámos pela segurança.
Os nossos passeios tentam abarcar um pouco de tudo: monumentos, em primeira instância; museus (sobretudo de pintura) – Miró e Picasso em Barcelona, casa de Anne Frank , em Amesterdão, casa de Sherloch Holmes em Londres, Museu d’ Orsay, Paris; as feiras, mercados…; mas também e muito, o andar sem destino pelas ruas e praças, sentindo o pulsar da vida, das pessoas. Em Londres quase que basta isso, em Hyde Park, em Convent Garden, nas lojas, ouvir a suave e aristocrática melodia do “british accent” já é uma dádiva que torna a viagem ganha.
De todas as vezes, antes de partir, ficamos sempre indecisos até onde vamos, sobretudo nas “férias grandes”. Lá no fundo há sempre uma certeza, mas até uma semana antes de partir há sempre duas cartadas na mesa. Mas faz-se sempre uma pesquisa, sobretudo na net, consultando possíveis locais de pernoita fora de campings. Estes servem, em última análise, ou em caso de necessidade, para lavar a roupa se viajamos durante 3 ou 4 semanas.
CAB – Que país prefere visitar de autocaravana? E porquê? Que facilidades mais o motivam? E em Portugal que regiões prefere? E em que época do ano? Qual o orçamento diário (2 pessoas) que recomenda a quem se abalance a ir ate ao estrangeiro?
Paula Vidigal - França e Alemanha já estão catalogadas como o paraíso do autocaravanismo. Em França não há vila ou cidade que não tenha uma zona para AC, sempre com as comodidades necessárias a este tipo de turismo (sítio para despejos, água e luz), às vezes gratuitas, outras por somas quase simbólicas. A zona que aconselho e à qual voltarei um destes dias é a Alsácia, sobretudo pelas suas vilas pitorescas e coloridas, um cenário fantástico que lembra aguarelas. Ainda por cima, porque nessa zona de França as vilas intervalam com outras igualmente fantásticas do lado alemão. De um salto visitam-se dois países, ouvem-se duas línguas soberbas, porque a musicalidade das línguas é vital nas viagens… poder ouvir os “nativos”, poder vê-los no seu habitat, nas suas ruas, praças, nas suas vidas… é um bom alimento para o espírito.
Ao longo do Mosel, em prados verdejantes com o rio ao lado, as vilas alemãs têm sempre uma alcatifa verde para receber AC, na altura pela mera quantia de 5€ diários. Um luxo comparado com tantos campings que por aí existem. É que, repare-se, há muitos campings que não nos oferecem nada de mais: já tenho luz, sanita, duche, só preciso mesmo de água e de um sítio para despejar, qualquer vila deveria (e nesses dois países fazem-no) ter estes serviços básicos. Porquê pagar 30 e tal euros por um depósito cheio e mais dois vazios, em parques que muitas das vezes nem essas condições têm e se assemelham a guetos? Outros, felizmente são um luxo e neles pago para recarregar baterias, geralmente nesse dia descansamos, mergulhamos numa piscina, porque regra geral as férias são sinónimo de descoberta, exploração, dores de pés, bom cansaço físico. Daí a escolha da autocaravana: ficar 15 dias no Algarve à beira-mar, seria sinónimo de cansaço psicológico e desgaste vital.
Infelizmente, por questões profissionais as férias grandes reduzem-se sempre aos últimos dias de Julho e Agosto, havendo ainda a possibilidade de uns dias no Carnaval e Páscoa. Fins-de-semana são esporádicos. Portanto, estamos sempre dentro de todas as épocas altas. Uma viagem de 3, 4 semanas para quatro pessoas ficará pelo preço de uma viagem de uma semana, de avião, ao estrangeiro. Mais um motivo que nos fez abraçar esta escolha…
Portugal não é tão bom anfitrião como França, estamos dela a anos-luz, mas há sempre um canto fora dos campings onde é possível pernoitar em segurança.
O nosso destino eleito é a costa alentejana, com grande mágoa por a zona de Porto Covo ser agora tão pouco amável com este tipo de turismo. Temos vindo a diminuir as visitas, quem perde é o comércio local.
CAB – Como participa a família deste seu gosto? Colaboram? Escolhem destinos? Estão sempre prontos a partir ou resistem às viagens? ‘ E depois fazem resumos ou relatos do que observaram? Coleccionam fotografias?
Paula Vidigal - Os filhos cresceram nesta vida, pouco se recordam (especialmente o mais novo) do tempo das tendas, caravana, hotéis, casas alugadas. Às vezes gostariam de variar, mas creio que subscrevem que a Casinha é mesmo a nossa casa e que trocá-la por outro método seria perder qualidade de férias.
Às vezes refilamos porque não conseguimos estacionar, ou porque demoramos mais do que o desejável. Lembro-me, por exemplo, de “conhecer “ o Mónaco sentada no banco do co-piloto. Frustrante!
Desde a 1ª viagem que redigimos um “diário de bordo”. Religiosamente, dia após dia, em cada viagem. Regra geral sou eu que escrevo, como aqui e agora. Depois veio o blogue, mas sou eu, que tenho a paixão das letras, que redijo e teclo. As fotos foram inicialmente a dois, agora são a três. O quarto está no bom caminho.
CAB – Que motivos de satisfação ou insatisfação a família encontra nas viagens de AC? Quais as queixas mais frequentes? Emprestaria ou alugaria a sua autocaravana a alguém? Em que condições?
Paula Vidigal - As queixas são inevitavelmente sentir que o tempo voou e já acabou. Pelo menos para os dois mais velhos fica sempre a sensação do incompleto e o sonho de estarmos reformados para fazer de cada viagem uma viagem sem tempo.
Se a AC fosse mais pequena, seria mais fácil a questão do estacionamento, já falei disso. Sonhamos, portanto, com uma nova Casinha e enquanto sonhamos mantemos viva a chama, não é assim com qualquer sonho?
Também gostaria que o meu país e alguns outros locais (de Espanha, Holanda) tivessem mais zonas para AC. Às vezes é complicado não ter onde verter as águas sujas ou o WC.
Não sei se seria capaz de emprestar a minha “casinha”, tenho sérias dúvidas, apesar de meio mundo já lá ter dormido, almoçado, jantado… mas connosco lá dentro.
CAB – A sua viatura quanto consome? Que velocidades atinge? Que autonomia tem? Que avarias já teve? Como as resolveu? O que lhe dá mais satisfação na viatura e bloco de alojamento? O que mudaria se pudesse?
Paula Vidigal - Consome 11 l. Chega aos 130, 140 mas raramente passamos dos 100, 120. Tem poucos cavalos, logo morre um pouco nas subidas.
Avarias… acidentes… já passámos um pouco por tudo: ficar sem travões, sem direcção assistida, sem bateria, sem sistema eléctrico. A mais sui generis foi um portão basculante que se enfiou dentro da parte lateral… tudo se tem resolvido, mas na altura a viagem fica assombrada e o ambiente soturno.
Já mudámos os beliches, acrescentando-os porque as crianças crescem e tínhamo-nos esquecido de tal. Já construímos um exaustor, já inventámos o nosso sistema porta-bicicletas.
Neste momento, mudaria para uma mais pequena e optaria por uma cama de casal ao fundo e um porão para colocar as biclas, evitando assim mais uns cms na traseira.
CAB – Usa a Net na AC? Para trabalho ou só para lazer? E usa GPS? Que modelo? Que recomenda? Televisão? Usa parabólica? Normalmente a que horas acaba a sua jornada? E quantos dias (horas) fica num mesmo local? Quantos km em media percorre por dia? Viaja com animais?
Paula Vidigal - Raramente usamos net. Vemos tv e filmes através do pc, geralmente no Inverno porque anoitece mais cedo. No Verão nem tempo temos para isso, a não ser que chova … O GPS – Garmin – é o nosso amigo e às vezes inimigo.
Não aguentamos grandes tiradas de alcatrão. Talvez nos dois primeiros dias, especialmente quando temos de atravessar Espanha. No 1º dia fazemos por chegar a França ao anoitecer ou fim da tarde. Se temos de percorrer mais Kms, por volta das 18h começamos à procura de um poiso para descansar e visitar.
Quando chegamos ao país destino, abrandamos. Não contabilizamos muito. Vamos estando, de acordo com os pontos previamente delineados. Às vezes com desvios. A única preocupação é que temos tempo limite e há que fazer o caminho de volta… e Espanha é muito grande… desejamos sempre morar no Norte de França, Suíça, Alemanha, para poder estar mais perto de tudo.
Como já referi, somos apenas quatro, já pensámos muito em ter um cão, mas acabo sempre por ter a certeza que não é espaço para autocaravanistas de quatro patas, apesar de ver os outros e achar muita graça.
CAB – Que acha da estruturação do movimento autocaravanista? É sócio de algum clube?
Paula Vidigal - O movimento autocaravanista tem poucas raízes em Portugal, pouca representatividade, pouca adesão e sobretudo muitas lutas internas e externas que pouco me inspiram e muito me desagradam. Sou aderente do CAB, mas não sou sócia de clube algum. Ah! Fui sócia (como já não pago cota há uns anos já não sei se o continuo a ser) do Clube de Campismo de Évora, desde os nossos primórdios de campismo em casa de lona e fecho de correr.
CAB – Como define o autocaravanismo?
Paula Vidigal - Como desde miúda sempre me fascinou a vida nómada dos artistas de circo, considero que ter uma AC foi a forma mais próxima de ser circense. Falta-me o lado artístico e o lado perene das viagens, mas consegui o lado vadio de poder ficar onde me apetece consoante os humores, as condições, as cores, o ar, a terra, as gentes. É também a forma que mais me permite viajar, doutra forma estagnaria num apartamento alugado, basicamente em Portugal, num rotineiro passar de dias.
Neste momento é já uma forma de estar. Às vezes imagino que ganho o totoloto e posso finalmente ir a outros continentes e países mais exóticos. Mas depois penso logo: “E como chegava lá de autocaravana?”
Sem comentários:
Enviar um comentário